quarta-feira, 4 de março de 2009

Das coisas que aprendi com Larissa



Tenho uma amiga que é, na verdade, uma irmã. Daquelas que chega lá em casa a qualquer hora do dia, se empoleira na minha cama, liga o computador e pergunta se tem iogurte light e biscoito cream cracker.
Somos amigas há uns 15 anos, mas nos conhecemos há mais tempo e nunca, nunca brigamos, sequer discutimos. E olha que discordamos bastante e eu sempre, sempre digo tudo aquilo o que ela não gostaria de ouvir. E ela, idem.
Descobri, a duras penas, que muitas vezes quando uma mulher te pede conselhos ela quer um engodo, mas com a gente não é assim. Jogo a real nos peitos e ela ainda faz embaixadinha. Acho que isto se chama confiança.


Se contabilizássemos todas as cervejas que já bebemos juntas e todas as lágrimas que já derramamos somaria um rio Nilo. Ainda bem que contrabalanceamos os dramas com risadas intermináveis e adubando a vida fazendo muita Merda.



Não esqueço o dia em que, num sábado de madrugada, assaltamos um stand de vendas de apartamento pra roubar as bolas de gás que ornamentavam o local para o lançamento do dia seguinte. Assaltar é uma palavra forte, né? Não, eu não estava armada, nem rendi o guardinha. É só para ilustrar nossa ação. Mas voltando ao assalto...


Falei: “Larissa...irc...eu quero aquelas bolas ali...irc!”
Ela, prontamente, como boa parceira de merdas que é, parou diante do stand e me entregou a chave do carro: “toma Tati!!! É pra você serrar as tiras de naylon” (que prendiam as bolas ao poste). Roubamos uma guirlanda de quase dois metros lotada de bolas. Difícil foi fugir dali. Aquele trambolho não cabia no carro, mas esprememos com fé e enfim escapamos do local do crime sem nenhuma autuação em flagrante.
Larissa, que dirigia o automóvel da fuga, não conseguia enxergar nada e eu fui com metade do corpo pra fora do carro. Era bola pra tudo o quanto era lado.
Quando cheguei na portaria do meu prédio com toneladas de bolas todos os olhares se voltaram pra mim. Ao menos distraí os porteiros do tédio que deve ser um plantão de madrugada e foi só aí, com todos me olhando, que me dei conta do tamanho da nossa pataquada.


A prova de fogo da nossa amizade veio uns anos atrás quando passamos um réveillon em Mauá. Fomos apenas nós duas, estilo Telma e Louise (ela odeia quando falo isso!), cheias de planos de trilhas, banhos de cachoeiras e noitadas. Choveram exatos 10 dias seguidos. O tempo em que permanecemos na cidade. Ou seja, tive que ficar olhando pra cara dela 10 dias seguidos, trancada num quarto de pousada com a chuva caindo sem pudor o dia inteirinho. Foi castigo pelas bolas. Certeza!
Pensávamos que seriam dias de muita curtição. Porra nenhuma! Pousada xexelenta, chuva pracaraleo e nada pra fazer. Mas não nos entregamos. Rimos como nunca (ou como sempre) e conversamos muito das mesmas coisas de sempre.
Era uma fase ruim pra Lara e para animar a fracassada viagem fazia a dança da Joelma da banda Calypso.


Vejam vocês que situação: as duas, num hotel com lareira na serra, olhando uma pra cara da outra, comendo bis e dançando tecnobrega. Chegamos a conclusão que, se depois daquela tragédia não caímos na porrada, não cairíamos nunca mais!


Mas não vim aqui falar somente da nossa amizade, tampouco das zoeiras acumuladas ao longo destes quinze anos. Seria impossível!
Vim aqui falar das coisas que aprendi com aquela que esteve incondicionalmente ao meu lado quando mais precisei. Da amiga que sempre soube ser discreta, íntegra e verdadeira. Que soube dizer todas as verdades sem ferir, soube ouvir, soube falar, soube calar. Vim falar da sensibilidade absurda, da paciência sem fim, da entrega que só aqueles que tem o dom da amizade são capazes de exercer.


Confesso que não sei conviver bem com os indiferentes, os superficiais, os que não se permitem inundar pelo outro. É julgamento meu, sem dúvida. Talvez se trate apenas de alguém equilibrado, evoluído a ponto de estar neutro e ainda assim estar em tudo. Não sei. Só sei que se a vida é a arte dos encontros, como de fato acredito que seja, são os encontros com aqueles que se jogam os que mais me atraem, mais me interessam e seduzem. Daqueles que não tem medo de tomar partido, que são inteiros nas relações, que choram e riem com você e não apenas olham tudo de cima.


Eu e Larissa somos amigas tão diferentes. Meu amor é tão do mundo que às vezes sobra pouca declaração a quem está próximo. O amor dela é todo direcionado a quem está perto, do lado. Vai direto, reto, focado.

Com ela aprendi a não racionalizar tanto minhas ações e sentimentos, a me dar o direito de sentir seja lá o que for, sem ter medo ou vergonha disso.
Me ensinou que sentir raiva, mágoa, e ficar muito puta, não me faz pior que ninguém. Me faz igual. Me faz humana. Me faz justa. Me faz inteira. Afinal, em cada um de nós habitam trevas e luz.
Não tenho mais medo ou vergonha de sentir uma série de coisas e ainda que eu não possa explicá-las, meu coração sabe muito bem o porquê de sentir todas elas.

Mercy, Lurisse. Mercy!